Capela de Nossa Senhora da Guia, Vila do Conde na foz do rio Ave (*)
Na foz do rio Ave, ergue-se a Capela de Nossa Senhora da Guia, lugar antigo de devoção e silêncio, já referida em 1059 como Ermida de São Julião Mártir, pertencente ao Mosteiro de Guimarães. Pouco ou nada resta da construção primitiva, mas o essencial permanece: o lugar. Um rochedo batido pelo vento, diante da barra, onde a terra parece suspender-se antes de se perder no oceano.
Ao longo dos séculos, a capela conheceu reconstruções e restauros, porque o mar, ao mesmo tempo que fascina, corrói. Aqui se rezou pela vida dos navegadores, aqui se ergueu também uma pequena defesa da costa, e aqui se manteve, desde tempos remotos, a Confraria de Nossa Senhora da Guia, da qual existem estatutos de 1676.
O interior surpreende pela delicadeza:
-O teto em caixotões de madeira, pintado com cenas bíblicas;
-Os azulejos azuis e brancos dos séculos XVII e XVIII, que falam tanto da fé como da arte;
-E a capela-mor, onde o arco talvez tenha sido a antiga entrada, guardando ainda a memória do primeiro templo.
No exterior, a grande escadaria conduz ao Cruzeiro da Independência (1940), erguido no lugar onde outrora brilhava um farolim que guiava os navegadores à entrada da barra.
O encontro do rio e do mar
A verdadeira grandeza desta capela não se mede em metros de pedra ou em talha dourada, mas na sua posição: é um templo erguido precisamente no limiar entre o rio e o oceano.
O Ave, que desce dos montes e atravessa vales e campos, chega aqui carregando memórias de terras e homens. E, diante do Atlântico, o rio cumpre o seu destino: entrega-se. Perde-se para se reencontrar. Morre como rio para renascer como mar.
O mar, vasto e insondável, acolhe o rio sem o destruir. O seu sal mistura-se com a frescura das águas doces, e desse abraço nasce um território novo: a foz, espaço de vida, fertilidade e encontro.
A Capela da Guia, voltada para esta fusão, é mais do que um lugar de culto. É um símbolo da existência humana: todos nós, como o rio, caminhamos por caminhos estreitos, e chega o momento em que somos chamados a entregar-nos ao infinito. Tal como o Ave, também a nossa vida encontra sentido no ato de se abrir, de se fundir com algo maior que nós.
Por isso, não é apenas a beleza arquitetónica ou a devoção popular que tornam este lugar singular, mas sim a filosofia silenciosa do cenário: o homem, diante do mar, recorda-se de que a vida é breve como o curso de um rio, mas que pode haver sempre um oceano de eternidade a esperar.
E talvez seja por isso que aqui, se ergue Nossa Senhora da Guia. Porque nenhum marinheiro ousaria partir sem antes confiar o seu destino à Mãe que protege no momento da travessia. E nenhum viajante, ao regressar, deixaria de agradecer àquela que, como farol espiritual, se faz ponte entre o finito e o infinito.
O ponto alto das festividades em honra de Nossa Senhora da Guia, Padroeira dos Pescadores, é a majestosa procissão, composta por 8 andores, que tem início na Igreja Matriz de Vila do Conde e percorre algumas artérias da cidade rumo à Capela, junto à foz do rio Ave.
A maior festa religiosa em Vila do Conde ocorre à nossa Senhora da Guia a procissão realiza-se sempre no último domingo de janeiro e o dia da padroeira celebra-se a 2 de fevereiro.
Muito próximo encontramos o Forte de São João Batista e o Padrão do Desembarque Liberal, que não chegou a ocorrer neste local.
Forte de São João Baptista, Vila do Conde
Classificado como Imóvel de Interesse Público, o Forte de São João Baptista ergue-se na foz do rio Ave, sentinela de pedra voltada ao Atlântico. A sua presença sólida, sobre os penedos batidos pelas ondas, faz lembrar a tensão eterna entre a fragilidade do homem e a força imensa do mar.
Sabe-se que a construção já decorria em 1573, embora seja provável que tenha começado alguns anos antes, por volta de 1570. A autoria do projeto é incerta, mas alguns estudiosos atribuem-no a Simão de Ruão, arquiteto francês ao serviço da coroa portuguesa. O plano original previa um fosso defensivo, nunca realizado. Ainda assim, em 1641 as obras foram dadas como concluídas, faltando apenas o complemento da artilharia.
O forte apresenta uma planta poligonal com cinco baluartes, guarnecidos nos ângulos por pequenas guaritas, seguindo os princípios da arquitetura militar moderna da época. O seu objetivo era claro: proteger a entrada do porto do Ave, porta vital para a navegação, para o comércio marítimo e para a própria subsistência de Vila do Conde, vila de mareantes e construtores navais.
Com o passar do tempo e a evolução da arte da guerra, o forte foi perdendo relevância estratégica. Depois do fim da Guerra Civil de 1834, ficou praticamente sem função militar, mas manteve-se como testemunho arquitetónico de uma época em que a defesa da costa era uma questão de sobrevivência.
Do bastião militar ao espaço de contemplação
Hoje, o Forte de São João Baptista encontra-se adaptado a uma unidade hoteleira, devolvendo vida a uma estrutura que poderia ter caído no esquecimento. No entanto, ao atravessar as suas muralhas, não é difícil imaginar o eco das vozes dos soldados, o cheiro da pólvora e o silêncio expectante diante do horizonte, onde qualquer vela inimiga poderia surgir.
A sua função transformou-se, mas a sua vocação de vigia permanece. Do alto das muralhas desfruta-se de uma vista panorâmica única, que percorre toda a frente atlântica, abraçando a foz do Ave e prolongando-se até onde os olhos alcançam.
Filosofia do lugar
Se a Capela da Guia celebra o encontro do rio com o mar, o Forte de São João é a resposta de pedra e cal ao medo das invasões, à instabilidade das marés, à imprevisibilidade da história.
Mas, perante o oceano que se abre diante dele, o forte parece pequeno, quase humilde. É como se a sua solidez fosse uma ilusão — muralhas contra o tempo e contra a eternidade das águas. Hoje, liberto do peso das armas, o forte devolve-nos outra lição: a de que as obras humanas podem transformar-se em espaços de paz e de contemplação.
Assim, o antigo bastião de guerra tornou-se miradouro e refúgio. Entre as suas paredes, já não se ouvem canhões, mas sim o sussurro do vento e o rumor do mar. E talvez seja esse o seu maior triunfo: ter sobrevivido ao propósito da guerra para se tornar espaço de beleza, memória e encontro e ter sido transformado numa unidade hoteleira.
Padrão das Guerras Liberais
O Padrão da Memória pretende assinalar que a 8 de julho de 1832 se virava uma página da História de Portugal, iniciada com a tentativa de desembarque das tropas de D. Pedro em Vila do Conde, pois Sá Nogueira, que mais tarde ganharia o título de Marquês de Sá da Bandeira, não consegue a adesão do Brigadeiro Cardoso de Menezes, destacado para, no Forte de São João Baptista, impedir o desembarque. Assim, gorada a tentativa, não restou à esquadra de D. Pedro outra alternativa senão dirigir-se para sul. Mindelo ou Pampelido? Certo é que mais de seis dezenas de navios formariam necessariamente uma extensa linha paralela à costa, frente aos “pinheirais de Mindelo que em Azurara começam e ao Porto vão acabar”. E certo é que os sete mil e quinhentos homens que compunham o exército libertador ficariam conhecidos como “Os Bravos de Mindelo”.