Nas terras altas e graníticas do Maciço da Gralheira, onde a Serra do Arestal se ergue imponente com os seus 830 metros, com as serras da Freita e da Arada que se irmanam na vastidão das Montanhas Ocidentais, nasce o rio Mau, um dos veios de água que sulcam esta paisagem. É neste recanto, próximo da aldeia de Silva Escura, que se desvela um espirituoso geomonumentos de Portugal: a Cascata da Cabreia, uma das mais belas de Portugal
A sua existência deve-se a um fenómeno de erosão diferencial, onde a resiliência do granito, a montante, contrasta com a fragilidade do xisto, a jusante. Ao longo do tempo, as águas incessantes do rio Mau esculpiram um desnível acentuado, dando origem a esta notável queda de água de 25 metros de altura. Não seria descabido aventar a hipótese de que a talha de falhas geológicas, tenha facilitado este labor geológico, acentuando a majestade do despenhadeiro. Nas proximidades, encontra-se a Cascata da Filveda, irmã mais discreta, mas igualmente moldada pela mesma força da natureza.
O Bosque da cascata da Cabreia
O bosque da Cascata da Cabreia é um hino à biodiversidade e um convite à reflexão sobre a paisagem original que outrora cobriu estas terras. Aqui, a galeria ripícola desenha-se como um abraço contínuo de amieiros, freixos e borrazeira-preta, que se entrelaçam com um sub-bosque luxuriante, onde o feto-real e a gilbardeira pontuam a folhagem. Mas o verdadeiro tesouro botânico reside na raríssima feto-vaqueiro, uma espécie prioritária para a conservação na Europa, testemunho vivo dos bosques subtropicais que em tempos longínquos cobriam estas paragens. Neste santuário húmido, a lontra, mamífero brincalhão e incansável viajante, encontra o seu refúgio, enquanto a vaca-loura, escaravelho de porte imponente, prospera nos carvalhais maduros. E para o olhar atento do naturalista, revelam-se os endemismos ibéricos: a salamandra-lusitânica, o tritão-de-ventre-laranja e o lagarto-de-água. A salamandra-de-pintas-amarelas, por seu turno, encontra nos bosques caducifólios junto ao rio Mau o seu banquete de lesmas e pequenos insetos. Um contraste pungente com a vil área florestal da região, crescentemente tomada pela uniformidade avassaladora dos eucaliptos e mimosas, que descaracterizam a paisagem e empobrecem o tecido ecológico. (1).
Lendas da Cascata da Cabreia
Entre o sussurro das águas e o chilrear das aves, ecoam as lendas da Cascata da Cabreia, transmitidas de geração em geração pelos habitantes da Silva Escura. Fala-se de uma grade de ouro, submersa na bacia de receção da queda de água, um eco de tempos idos que porventura se conecta às Minas do Braçal, ricas em chumbo e prata, a poucos quilómetros de distância. Lendas, dizem os descrentes, mas que no imaginário popular ganham vida e densidade.
O lugar é de uma salubridade tal que atrai até mesmo alguns membros da religião umbandista, que aqui encontram um palco para o culto aos seus orixás. Oxum, a deusa das águas doces, do amor e da fertilidade, representa a doçura e a força sensual da mulher, enquanto Oxossi, o másculo e agitado caçador, reina entre as florestas. Uma simbiose perfeita entre a beleza natural e a espiritualidade, onde o sagrado se revela na paisagem, convidando à contemplação e à reverência.
E quem sabe se a vaidosa Oxum, orixá das águas doces e do ouro, que brota das cascatas, não terá deixado a sua marca neste lugar, com a sua predileção por este metal precioso, numa feliz coincidência com a grade de ouro da lenda. Que Mamae Oxum proteja a Cascata da Cabreia de qualquer incauto que ouse profaná-la, e que Oxossi, o caçador que reina entre as florestas, continue a abençoar este refúgio de natureza. Pelo menos é isso em acreditam os crentes Umbandista que por vezes aqui se reuniam. Já lá vão mais de 10 anos desde que assisti a um ritual lindíssimo com mais de 20 pessoas.

Bela e relaxante, a Cascata da Cabreia oferece ao visitante um misto de frescura e fascínio. Os moinhos de água são relíquias de labores ancestrais e utilitários enquanto a flora exuberante, com os seus carvalhos, salgueiros, folhados e amieiros, apraz o olhar e a alma. A área, sujeita a uma recuperação cuidadosa, desvendou-se em toda a sua plenitude, com a limpeza da cascata e da linha de água, a recuperação dos moinhos, a melhoria dos acessos e a construção de pontes, mesas de apoio e instalações sanitárias.
A Cascata da Cabreia é, pois, mais do que uma mera queda de água; é um santuário da biodiversidade e um palco de lendas e crenças. É um convite a uma imersão profunda na natureza. Haja paz.