O Totem Porco do Pelourinho de Bragança (*)

O pelourinho de Bragança é notável pela sua insólita mistura, sendo um totem verrão e um símbolo de municipalidade.

Na vila Velha o pelourinho de Bragança é um monumento que não prende tanto a atenção como a Domus Municipalis (***) e o Castelo (***).
Muitos turistas acham curioso o monumento, mas por vezes não alcançam o seu real valor. Aqui estou eu novamente a maldizer o incauto turista!
Pois amigo leitor, o pelourinho de Bragança engasta numa tosca estátua em granito de um “berrão”, conhecida como “a porca da vila”, que é da Idade do Ferro, mas bem macho ele é.

Podemos encontrar estes Verracos no museu Abade de Baçal, na famosa Porca de Murça, também articulado ao Pelourinho da Torre dona Chama ou à entrada da aldeia histórica de Castelo Mendo.

Verracos associados aos Vetões da idade do Ferro

Estão associados ao povo Vetão, que foram um povo pré-romano que habitou a região noroeste da Meseta Central da Península Ibérica, abrangendo áreas como as atuais províncias espanholas de Ávila e Salamanca, além de Trás-os-Montes existindo, no entanto, mais a sul do rio Douro em Castelo Mendo e Almofala. O seu principal sítio arqueológico é o Castro de Ulaca (Ávila).

O Pelourinho de Bragança e Rio de Onor e o poder da fertilidade.

Estas esculturas de berrões, não são figuras de animais de uso desconhecido, pelo menos para mim e parece-me óbvia qual seria a sua função. Para além de porcos também podemos ter bovinos em Pedra.

São famosos os Touros de Guisando situados em El Tiemblo na província de Ávila.   A paragem dá nome ao pacto que ali foi firmado em 1468 entre o rei Henrique IV e sua meia-irmã, a futura Isabel a Católica, pacto que mais tarde e em breve estaria na origem de Espanha e, portanto, foi assinado aqui um pacto com influência no decorrer da História mundial. Estes touros são citados no famoso Dom Quixote.

“Outra vez, mandou-me que fosse tomar em peso as antigas pedras dos bravos touros de Guisando, empresa mais para se encomendar a homens de pau e corda do que a cavaleiros”. 1

Mas isto são já outras histórias e voltemos ao distrito de Bragança e a Rio de Onor.

Em Rio de Onor existe uma casa, bem no centro da povoação que tinha um bovídeo bonito, grandioso, o melhor dos touros e que tinha uma bela vida, porque era tratado com toda o cuidado e tinha um tratador que lhe era exclusivo e que também teria uma vida simpática. Tal devoção por tão sagrado bicho é normal porque ele era o cobridor das vacas, que assim garantiriam leite e bezerros, ou seja, carne. Ou seja, o animal era um dos maiores fatores de bem-estar e de prosperidade da povoação.

Esta prática existiu ao longo de várias gerações até ao século passado.

Não sei o que acontecia aos touros quando estes já não tinham dotes de fecundidade, mas a avaliar o que acontece aos homens talvez não seja difícil adivinhar.

Assim se compreende que estes animais (sempre machos) eram nesta região muito importantes porque:

-Nesta sociedade agraria, pecuária e isolada era um símbolo de fertilidade e nutrição e como tal era um totem. Um totem é um símbolo sagrado (como um animal-objeto de veneração para uma tribo ou clã, aqui considerado como objeto de fertilidade, guardião ou protetor do grupo e por isso eram colocados à entrada dos povoados fortificados como guardiões do limiar.

– Também serviam como um símbolo que define a identidade do povo vetão.

Através destes animais existia uma sacralidade pagã, com totemismo envolvente.  Que rituais seriam praticados no seu dorso que tem grandes fossetes para tais atos?

Este original e notável pelourinho medieval foi também um símbolo de um foral e do municipalismo

O pelourinho de Bragança assenta sobre um soco com quatro degraus de planta octogonal também em granito.

As patas são curtas, fruto da demolição causada pelo arranque da obra do seu primitivo lugar. A meio do corpo existe ummburaco circular que foi usada para nele implantarem o pelourinho.

A data da construção do pelourinho é incerta, alguns leitores indicam que data do séc. XIII do foral dado por dom Sancho I, o que o tornaria o pelourinho mais antigo do País.

Atente amiga leitora que estamos a falar de um pelourinho em pedra. Em pedra são levantados quase todos os pelourinhos a partir dos forais novos do rei dom Manuel I, porque todos os anteriores eram em madeira-as picotas.

Também Bragança teve foral dado por D. Manuel I em 1514; à doação de foral manuelino seguia-se a construção de um pelourinho novo em pedra, e assim aconteceu na maioria dos casos, em todo o país, mas em Bragança pode ter-se mantido o pelourinho antigo.


As suas carantonhas são à maneira românica

A peça poderá ser do período manuelino e o artista executou o repertório artístico idêntico aos primeiros séculos da nacionalidade?
O dorso do berrão é trespassado pela coluna do pelourinho, que assenta no degrau superior da plataforma, e seria adicionalmente fixado à escultura através de um espigão atravessando-a na horizontal, e vendo-se os respetivos orifícios no seu flanco.

O fuste da coluna, com anel metálico de sujeição, é cilíndrico e liso, elevando-se a seis metros de altura; no seu topo encaixa um capitel, de onde irrompem quatro braços em cruz.

No capitel cada braço, semelhante a uma gárgula, é rematado por representações zoomórficas, com rostos semelhantes ao período românico figurando duas carrancas opostas, e ainda uma ave e um cão.

Os intervalos entre os braços são preenchidos com relevos dificilmente legíveis, mas consegue-se ver um lagarto.

Sobre o capitel eleva-se uma grande figura fantástica- de bocarra aberta, que serve de tenente a um brasão, apresentado entre as suas quatro patas em garra: de um lado vêem-se cinco quinas e um castelo (torre) ou seja, as armas da cidade Bragança.

Em 1860 dá-se a transferência do Pelourinho de Bragança para aqui, para o lugar da igreja de Santiago que desapareceu, pois, este encontrava-se junto à “Domus Municipalis”, edifício com que estaria em consonância, dada a sua relação com o poder municipal. Seria o pelourinho contemporâneo da Domus Municipalis?  

O certo é que esta união deu um conjunto estranho, mas inédito e de grande valor simbólico.
O Pelourinho de Bragança deveria ser restaurado com o expurgo dos musgos e das outras criaturas botânicas que não permitem fiel leitura do mesmo.

O enigmático pelourinho está classificado como Monumento Nacional desde 1910.

A fotografia é da minha amiga Ivone Saraiva.

Notas adicionais:

Dom Quixote. II parte, XIV capítulo.

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