Linha Cronológica:
Período anterior ao Filipino:
Tradição: Fundação da igreja atribuída a D. Afonso Henriques, associada a uma gruta e a um ermitão que teria profetizado a vitória em Ourique. A existência de uma estrutura anterior ao domínio filipino não é confirmada.
Início do Período Filipino: Consolidação da configuração atual do edifício.
1621: Criação da Feira de Castro, cujas receitas são canalizadas para as obras da igreja durante aproximadamente dois séculos, impulsionando a sua reedificação e embelezamento.
1630: Oferta de uma imagem milagrosa da Virgem Maria, conferindo ao templo a invocação de Nossa Senhora dos Remédios e sublinhando a devoção popular.
Século XVII (data incerta): Produção da imaginária presente na igreja e colocação dos azulejos holandeses na nave.
Século XVII (data incerta): Criação dos silhares de azulejos no altar-mor, representando cenas da vida da Virgem Maria.
Meados do Século XVIII: Realização de profundas obras de remodelação, incluindo a fachada e o enriquecimento da nave.
Meados do Século XVIII: Diogo Magina, artista algarvio, pinta telas para a igreja, estabelecendo um diálogo visual com as pinturas da Igreja Matriz de Castro Verde. É também criada uma pintura mural representando a união da religião cristã e da reunião muçulmana sob a proteção da Virgem Maria.
1811: A igreja apresenta sinais de degradação, acentuando-se na capela-mor.
1867: Colapso da abóbada, exigindo urgentes trabalhos de restauro para salvaguardar o património.
Meio do Século XX: Pintura da abóbada de berço da nave.
2012: A Igreja das Chagas do Salvador / Nossa Senhora dos Remédios é reconhecida como Monumento de Interesse Público.
Implantada na vastidão ondulante do Alentejo, em Castro Verde, terra de memórias ancestrais e horizontes que convidam à contemplação, ergue-se a Igreja das Chagas do Salvador, também reverenciada sob o doce epíteto de Nossa Senhora dos Remédios.
A Arquitetura e os Ecos do Maneirismo
Ao contemplarmos o edifício, reconhecemos de imediato os traços de um maneirismo contido, depurado, que aqui se manifesta no que convencionámos chamar “estilo chão”. Longe dos excessos decorativos que caracterizam outras latitudes, a igreja de Castro Verde impõe-se pela sobriedade das suas formas, pela funcionalidade pensada ao pormenor. O portal de verga reta, sobreposto por um frontão de volutas em mármore – é um toque de distinção na austeridade dominante – e o janelão rematado pelo escudo de Portugal, são elementos que pontuam a composição, conferindo-lhe um ritmo sereno. A sacristia e a torre sineira, adossadas ao corpo principal, completam o conjunto, numa articulação que denota uma lógica construtiva atenta às necessidades do culto e da comunidade.
O Interior: Uma Sinfonia de Materiais, Tempos e Devoções
Transpondo o umbral, somos acolhidos por um espaço de nave única, coberto por uma abóbada de berço cuja pintura, executada a meio do século XX, nos lembra que o tempo não se detém, e que cada época deixa a sua marca, por vezes dissonante, no palimpsesto do edifício. O nosso olhar é, contudo, atraído de imediato pela capela-mor, onde um retábulo em estuque de tons marmoreados enquadra o trono, este sim, ricamente decorado com talha dourada e pintada – um vislumbre do esplendor barroco que haveria de florescer. O arco triunfal, de volta perfeita, revestido a estuque dourado e encimado pelas armas reais em talha, sublinha a importância do espaço sagrado.
Mas é talvez nos azulejos que a igreja revela uma das suas mais fascinantes narrativas. Os silhares que revestem as paredes do altar-mor, em vibrantes tons de azul e branco, desdobram cenas da vida da Virgem Maria, numa catequese visual que se eleva até às imagens que rematam os painéis, também dedicadas à Mãe de Deus. Na nave, os azulejos, oriundos da longínqua Holanda. As pinturas da autoria do artista algarvio Diogo Magina, estabelecem um diálogo visual com os seus congéneres na Igreja Matriz de Castro Verde, reforçando a importância deste evento fundador na memória coletiva. Para além dos azulejos, a imaginária dos séculos XVII e XVIII povoa o espaço, convidando a um percurso pelas diferentes expressões da fé e da arte barroca.
Entre a Lenda e a História: As Origens e as Metamorfoses do Templo
A tradição, essa guardiã de memórias por vezes nebulosas, atribui a fundação da igreja ao próprio D. Afonso Henriques, associando-a a uma gruta e a um ermitão que teria profetizado a vitória em Ourique. Não sabemos o que existia antes do reinado filipino.
É, contudo, inegável que a configuração atual do edifício se consolida a partir do período filipino. A criação da Feira de Castro em 1621, cujas receitas foram canalizadas para as obras da igreja durante cerca de dois séculos, atesta a importância económica e social que o templo adquiriu, impulsionando a sua reedificação e embelezamento. A oferta de uma imagem milagrosa da Virgem Maria em 1630 conferiu ao templo uma nova invocação, a de Nossa Senhora dos Remédios, sublinhando a dimensão popular da devoção e a crença no poder taumatúrgico do sagrado.
As Cicatrizes do Tempo e a Perenidade da Memória
Como tantos outros edifícios que atravessam os séculos, a Igreja das Chagas do Salvador não escapou à ação implacável do tempo e aos revezes da fortuna. Em meados do século XVIII, foi alvo de profundas obras, que remodelaram a fachada e enriqueceram a nave e destacando-se as telas pintadas por Diogo Magina, testemunhando o dinamismo artístico da época. Uma pintura mural muito interessante é a que representa a união da religião cristã e da reunião muçulmana, sob a tutela da Virgem Maria, como rainha.
Contudo, o século XIX trouxe consigo o declínio. Em 1811, a igreja apresentava sinais de degradação, acentuando-se na capela-mor. O colapso da abóbada em 1867 foi um grito de alerta, que impôs a necessidade de urgentes trabalhos de restauro para salvaguardar o património. Estes episódios de ruína e recuperação são parte intrínseca da história do edifício, lembrando-nos a sua vulnerabilidade e a necessidade contínua de cuidado e preservação.
O reconhecimento como Monumento de Interesse Público em 2012 surge, assim, como um selo de valor, um compromisso com a salvaguarda deste importante testemunho da nossa história, da nossa arte e da nossa fé, fincado na paisagem do Alentejo.