A Basílica Real de Castro Verde, agora Monumento Nacional, é um edifício de grande significado histórico e artístico em Portugal. Erguida sobre vestígios romanos e uma antiga igreja, a basílica evoluiu desde o século XVI, atingindo a sua forma atual no século XVIII sob o patrocínio de D. João V. O seu interior destaca-se pela rica decoração, nomeadamente os cerca de sessenta mil azulejos representando a Batalha de Ourique, pela talha dourada, e pelo seu pequeno museu em que se destaca a Cabeça em Prata de São Fabião (**). Este templo não é apenas um local de culto, mas também uma poderosa afirmação da identidade nacional portuguesa e da legitimação da monarquia, com a sua história replicada noutras obras de arte locais.
Linha Cronológica:
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- Época Romana: Descoberta de vestígios arqueológicos (cerâmica, ânforas, lucernas, peças de vidro) na Travessa da Igreja, perto da localização atual da Basílica Real, indicando uma ocupação humana anterior.
- Período Indeterminado (anterior ao século XV): Existência de uma igreja dedicada a Santa Maria no local onde posteriormente seria construída a Basílica Real.
- Século XV (possivelmente): Edificação da igreja dedicada a Santa Maria, com base na menção de mau estado de conservação em 1510.
- 1510: Registo de uma visita da Ordem de Santiago que aponta para o mau estado de conservação de partes da Igreja de Santa Maria.
- 1565: Documentos da visita da Ordem de Santiago referem que a igreja já se chama Igreja de Nossa Senhora da Conceição e passou por obras de expansão, incluindo o aumento do comprimento e a construção de uma capela de abóbada quadrada (coro) com acesso à sacristia.
- 1573: Passagem do rei D. Sebastião por Castro Verde. A tradição sugere que a igreja se encontrava em ruínas nesta altura, o que poderá ter motivado intervenções posteriores com patrocínio régio.
- Período Posterior a 1573: Possíveis obras de restauro ou reedificação da igreja, resultando numa estrutura com paredes muito espessas, uma torre, duas sacristias com acesso direto à capela-mor e cobertura em abóbada. A igreja possuía órgão e decoração rica, incluindo mármore e madeira do Brasil.
- 1713: Início de um ambicioso programa de reconstrução da igreja, levado a cabo por iniciativa e com apoio financeiro do rei D. João V.
- 1712: Falecimento de João Antunes, arquiteto a quem é atribuído o traço do novo edifício, não chegando a ver a sua concretização.
- Entre 1713: Conclusão dos azulejos mais antigos na capela-mor, representando cenas da vida de São Tiago Maior.
- Até 1718 (pelo menos): Continuação das obras de reconstrução da igreja.
- Entre 1725 e 1730: Aplicação dos cerca de sessenta mil azulejos no interior da Basílica, atribuídos ao Mestre P.M.P. Estes azulejos retratam cenas da Batalha de Ourique e da fundação do Reino de Portugal, com base em fontes como a “Monarquia Lusitana” de Frei António Brandão e a “Crónica de Cister” de Frei Bernardo de Brito.
- Entre 1728 e 1731: Conclusão da pintura da cobertura da nave, com temática relacionada ao milagre de Ourique.
- 1735: A igreja recebe a categoria de Basílica Real por D. João V.
- 1767: Coinfecção de telas pelo pintor Diogo Magina para a Igreja das Chagas do Salvador (ou Igreja dos Remédios) em Castro Verde. Estas telas reproduzem as mesmas cenas da Batalha de Ourique e da fundação do Reino representadas nos azulejos da Basílica Real.
- 1993: Classificação da Basílica Real de Castro Verde como Imóvel de Interesse Público.
- 2023: Elevação da Basílica Real de Castro Verde à categoria máxima de Monumento Nacional.
Localização e Caracterização Geral
A Basílica Real de Castro Verde está situada junto à Praça do Município, no centro da vila. É um edifício de grandes dimensões, facilmente visível na malha urbana e a grande distância. A basílica é rodeada por um adro em calçada, limitado por um miradouro e os Paços do Concelho, cuja frente ostenta o Padrão de 1795, erguido originalmente no local da Ermida de São Pedro das Cabeças por ordem da rainha D. Maria I e posteriormente para aqui transferida. A basílica foi o ponto central a partir do qual se desenvolveu o tecido urbano da vila.
Arquitetura da Basílica Real de Castro Verde
A fachada da basílica está dividida em três registos, com a porta principal no primeiro, encimada por um frontão com as armas da Ordem de Santiago. A sua construção segue a corrente artística do “estilo chão”, caracterizado pela simplicidade e funcionalidade, marcante na arquitetura religiosa portuguesa a partir da segunda metade do século XVI. A igreja tem planta de nave única, a capela-mor retangular e com a sobriedade das linhas mantêm uma dignidade intrínseca. Descrições da basílica original mencionam paredes de grande espessura, uma torre, duas sacristias com acesso direto à capela-mor e uma cobertura em abóbada.
Vestígios Arqueológicos da Basílica Real de Castro Verde
A história do local onde se ergue a Basílica é muito anterior ao século XVI. Na Travessa da Igreja, perto do templo, foram encontrados vestígios da época romana, incluindo fragmentos de cerâmica, pedaços de ânforas e peças de vidro. Estes achados indicam que a área foi habitada e utilizada para atividades quotidianas na época romana.
História da Basílica Real de Castro Verde
A Basílica Real foi construída sobre o local de uma igreja anterior dedicada a Santa Maria, conforme documentos das Visitações da Ordem de Santiago. A data precisa da fundação da primeira igreja é desconhecida, mas o registo da visitação de 1510 indica que partes do imóvel, então Igreja de Santa Maria, estavam em mau estado, sugerindo uma edificação anterior ao século XVI.
Os documentos da visitação de 1565 revelam que o edifício já era denominado Igreja de Nossa Senhora da Conceição e tinha passado por obras de expansão, aumentando em comprimento com o sacrifício do alpendre original. É também mencionada a construção de uma capela de abóbada quadrada que servia de coro e dava acesso à sacristia.
Após a passagem do rei D. Sebastião por Castro Verde em 1573, a igreja poderá ter sido alvo de novas intervenções devido ao seu possível estado de ruína, o que justificaria patrocínio régio para restauro ou reedificação. A basílica original possuía órgão e era ricamente decorada com mármore e madeira do Brasil, evidenciando ligações ultramarinas.
Na primeira metade do século XVIII, a Basílica adquiriu a sua configuração atual através de um ambicioso programa de reconstrução iniciado em 1713 e prolongado pelo menos até 1718. Esta intervenção foi impulsionada pelo rei D. João V, Mestre da Ordem de Santiago, em homenagem à Batalha de Ourique. O recheio artístico foi enriquecido com encomendas do monarca, culminando na atribuição da categoria de Basílica Real em 17356. O projeto do novo edifício é atribuído a João Antunes, arquiteto da época joanina, que faleceu antes da sua conclusão. A pintura da cobertura da nave foi finalizada entre 1728 e 1731.
O reconhecimento da importância deste monumento foi tardio, sendo classificado como Imóvel de Interesse Público apenas em 1993 e alcançando a categoria de Monumento Nacional em 2023. Apesar da aparente singeleza exterior, o interior revela grande exuberância artística.
O Programa Iconográfico dos Azulejos da Basílica Real de Castro Verde
O interior da Basílica é notável pelos seus cerca de sessenta mil azulejos, produzidos em Lisboa. Tal como os azulejos de Sousel, também os de Castro Verde são atribuídos ao Mestre P.M.P. e datáveis entre 1725-1730. Estes azulejos revestem as paredes como uma vasta narrativa visual, representando cenas da Batalha de Ourique, a saga de D. Afonso Henriques e o Milagre que legitimou a fundação do reino, através de 10 grandes painéis que representam:
-Ermitão em oração
-Visita do ermitão
-Ermitão tocando a campainha
-Exércitos sarracenos no campo da batalha
-O receio dos soldados de D. Afonso Henriques
-Aparição luminosa de Cristo, prometendo a Afonso Henriques um reino e uma missão universal de propagação da fé
-O confronto vitorioso dos reis mouros
-Aclamação de D. Afonso Henriques
-O juramento perante as Cortes de Coimbra
-Conquista de Santarém
Este programa iconográfico, baseado em fontes como a Monarquia Lusitana de Frei António Brandão e a Crónica de Cister de Frei Bernardo de Brito, tinha um objetivo político claro: afirmar a ligação entre a monarquia e a providência divina e reforçar a legitimidade da Casa de Bragança após a Restauração …. Os painéis serviam para inscrever a narrativa oficial da fundação de Portugal, tornando o templo um marco identitário.
A importância desta narrativa é sublinhada pela sua repetição nas telas da Igreja das Chagas do Salvador (Igreja dos Remédios) em Castro Verde, datadas de 1767 e da autoria de Diogo Magina. Esta duplicação em diferentes suportes artísticos demonstra a relevância atribuída pela corte joanina e seus sucessores à divulgação do mito de Ourique e da figura de Afonso Henriques.
Outros Elementos Artísticos da Basílica Real de Castro Verde
A riqueza da Basílica inclui também a talha dourada e policromada dos altares, com destaque para o altar-mor, os relicários em forma de altar a sumptuosidade das imagens marianas e a pintura no teto de madeira da nave, que também aborda o tema do milagre de Ourique. Na capela-mor, destacam-se os azulejos mais antigos, de 1713, com cenas da vida de São Tiago Maior.
O Tesouro da Basílica Real de Castro Verde
O Tesouro da Basílica Real guarda peças de grande valor, testemunhos de devoção e mestria artística. Entre elas, destacam-se a cabeça-relicário de São Fabião (***) e que será alvo de texto individual, a custódia da Basílica, a imagem quatrocentista de Santa Bárbara importada da Flandres e um crucifixo indo-português do século XVII. Estas peças revelam ligações culturais e comerciais de Portugal com outras regiões. Lamenta-se a perda de parte do recheio original joanino, sublinhando a importância da preservação do património.

Conclusão e Significado
A Basílica Real de Castro Verde é um testemunho da complexa relação entre história, mito, arte e poder. Os seus elementos artísticos narram um passado que continua a influenciar o presente, convidando à reflexão sobre a construção da identidade e a importância dos lugares como depositários de memórias.
Referências Adicionais:
– Paulo Pereira, Paraísos Perdidos e Terras Prometidas-Enigmas lugares mágicos de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2004, 224 p.
– Mattoso, josé (2007) d. Afonso Henriques. Lisboa: temas & debates. 432 p.
– Oliveira e Costa, João Paulo (2023), Portugal na História – Uma Identidade (Temas & Debates, 640 p.
– Artigo por Vitor Manuel Adrião- A Batalha Impossível.