Igreja Paroquial de Areias ou Igreja da Nossa Senhora da Graça (Ferreira do Zêzere) (*)

No recesso do fértil vale do Zêzere, ergue-se, altiva e plena de história, a Igreja Paroquial de Areias, também conhecida como Igreja de Nossa Senhora da Graça. Este templo, mais do que um local de culto, é um verdadeiro compêndio da evolução artística e arquitetónica porque é obra que marcou o nosso país, desde os albores do século XVI até às exuberâncias do Barroco.

A Herança Templária e a Comenda de Pias:

O território onde hoje se estende a povoação de Areias integrava, em tempos idos, os domínios do antigo castelo de Ceras, situado em Tomar. Esta fortaleza, e as terras que a circundavam, foram doadas aos valorosos cavaleiros da Ordem dos Templários por El-Rei D. Afonso Henriques no ano de 1159. Este gesto régio sublinha a importância estratégica e o reconhecimento do papel da Ordem na defesa e organização do território durante a Reconquista.  

A Transição para a Ordem de Cristo

Com a extinção da Ordem do Templo em 1312, um novo capítulo se escreveu na história destas terras. Os bens que a Ordem possuía em Portugal, por determinação régia, foram transferidos para a recém-instituída Ordem de Cristo. Esta transição assegurou a continuidade da presença de uma ordem religiosa e militar na região, que manteve o seu papel de relevância no contexto político e social.  

A Comenda de Pias

No ano de 1321, a Ordem de Cristo procedeu a uma reorganização dos seus vastos domínios territoriais, dividindo-os em diversas comendas. Neste contexto, a povoação de Areias foi designada pelo grão-mestre D. João Lourenço como sede da comenda de Pias. Esta elevação a sede de comenda confere a Areias um estatuto administrativo e uma importância acrescida na estrutura da Ordem de Cristo.  

A Fundação da Igreja da Nossa Senhora da Graça

A igreja matriz da povoação, coração espiritual e símbolo da comunidade, terá sido fundada no século XV. As primeiras notícias documentadas da sua existência remontam ao ano de 1489, conforme atesta a obra de Gustavo de Matos Sequeira. Este marco temporal situa a fundação da igreja num período de expansão e consolidação do território português, refletindo o crescimento e a organização das comunidades locais, mas foi o século XVI que lhe conferiu a traça que hoje admiramos.

Em 1502, sob o patrocínio régio de D. Manuel I, a capela-mor foi erguida, num gesto que denota a importância e o mecenato da coroa na construção do nosso património. As visitações de 1504 e 1510 revelaram a necessidade de ampliar o espaço, com a construção de uma sacristia e outras benfeitorias, obras que recaíram sobre o Convento de Cristo, guardião das memórias e da fé.  

A grande transformação, a refundação que marca indelevelmente a sua identidade, ocorre em 1548, momento em que o mestre de obras de Tomar, João de Castilho, assume a responsabilidade da sua reconstrução. A sua intervenção, ainda que envolta em alguma penumbra documental, é um marco essencial na história da arte portuguesa. Uma carta de Castilho a D. João III, datada de 1548, ilumina este período, revelando as vicissitudes e os desafios enfrentados na condução da obra, a urgência na sua avaliação por Miguel de Arruda e as dificuldades financeiras que o mestre atravessava.

Arquitetura e Estilo

Apesar das incertezas documentais, a igreja que se ergue em Areias espelha o programa arquitetónico que Castilho desenvolveu nos claustros do Convento de Cristo, com a notável exceção do claustro de Santa Bárbara. As semelhanças são evidentes nas colunas, nos capitéis e nas abóbadas da galilé, elementos que denunciam a mão do mestre e a sua visão artística. A igreja, de planimetria longitudinal, desdobra-se em três naves e seis tramos, num ritmo espacial que convida à contemplação.  

A fachada principal, imponente, é rasgada por uma torre sineira de três registos, um elemento característico da arquitetura religiosa da época. No piso intermédio encontra-se um nicho vazio. No registo inferior, a galilé, com os seus três arcos de volta perfeita assentes em colunas jónicas, saúda o visitante, convidando-o a entrar e a descobrir os tesouros que o templo guarda.  

No interior, a capela-mor revela a sua abóbada de nervuras, onde a cruz de Cristo e o escudo das quinas se exibem como símbolos da fé e do poder régio.

Elementos Artísticos e Decorativos

A talha e os azulejos do período Barroco, que adornam a capela-mor, testemunham a evolução do gosto artístico ao longo dos séculos, numa simbiose entre a sobriedade renascentista e a exuberância barroca.

Junto à capela-mor, e adossado ao fuste da última coluna do lado do Evangelho, encontra-se um púlpito de delicado lavor, obra renascentista de fuste delgado e cálice circular, sendo o friso superior preenchido por querubins da fase castilhiana.

Os retábulos em pedra das naves laterais, um de 1596 na nave esquerda e outro do século XVII na nave direita, acrescentam mais uma camada de riqueza artística ao conjunto.  

O espólio imagético da igreja é notável, com destaque para a escultura de Santa Ana ensinando a Virgem a ler, do século XVIII, e a escultura de Nossa Senhora da Graça, do século XVII, ambas alvo de cuidadosas restaurações que lhes devolveram o esplendor original. A pia batismal do século XVI, em mármore e cantaria, com decoração e simbologia marítima, é uma peça de exceção, que nos transporta para a época dos Descobrimentos e para a importância do mar na história de Portugal.  

Significado e Legado

Apesar de ser descrita como um edifício “sem qualquer rasgo de genialidade” quando comparada com obras mais eruditas de João de Castilho em Tomar, a Igreja de Areias possui um inegável valor histórico e artístico. A sua simplicidade, a sua ligação às formas claustrais do Convento de Cristo e a sua evolução ao longo dos séculos fazem dela um testemunho da nossa identidade cultural e está classificado como Imóvel de Interesse Público. 

Em suma, a Igreja Paroquial de Areias é um monumento que merece ser visitado, estudado e apreciado, um lugar onde a história, a arte e a fé se encontram, num diálogo que nos enriquece e nos eleva o espírito.

Linha cronológica:

Linha do Tempo Detalhada

  • 1159: El-Rei D. Afonso Henriques doa o território onde se situa Areias, parte dos domínios do antigo castelo de Ceras (Tomar), aos Cavaleiros da Ordem dos Templários.
  • 1312: Com a extinção da Ordem do Templo, os seus bens em Portugal são transferidos para a recém-instituída Ordem de Cristo, por determinação régia.
  • 1321: A Ordem de Cristo, sob o grão-mestre D. João Lourenço, reorganiza os seus domínios territoriais, designando Areias como sede da comenda de Pias.
  • Século XV: Fundação da igreja matriz da povoação de Areias, a futura Igreja da Nossa Senhora da Graça.
  • 1489: Primeiras notícias documentadas da existência da igreja de Areias, segundo a obra de Gustavo de Matos Sequeira.
  • Século XVI: A igreja adquire a traça arquitetónica que é admirada na atualidade.
  • 1502: A capela-mor da igreja é erguida sob o patrocínio régio de D. Manuel I.
  • 1504: Visitação revela a necessidade de ampliar a igreja, com obras de construção de uma sacristia e outras benfeitorias a cargo do Convento de Cristo.
  • 1510: Nova visitação reforça a necessidade de obras de ampliação na igreja.
  • 1548: João de Castilho, mestre de obras de Tomar, assume a responsabilidade pela reconstrução (ou “refundação”) da igreja. Uma carta de Castilho a D. João III, datada deste ano, refere as dificuldades financeiras e a urgência na avaliação da obra por Miguel de Arruda.
  • 1596: Retábulo em pedra na nave esquerda é datado.
  • Século XVII: Retábulo em pedra na nave direita é datado. Escultura de Nossa Senhora da Graça é criada.
  • Século XVIII: Escultura de Santa Ana ensinando a Virgem a ler é criada.
  • Período Barroco: Elementos de talha e azulejos deste período são adicionados à capela-mor.

Notas adicionais: Do blogue tactiboqueando.

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