O Hércules de Alhandra: Um Monumento à Resistência e à Paisagem que é também um Miradouro (Vila Franca de Xira) (**)

No alto da Serra do Formoso, em Alhandra, ergue-se um monumento que é mais do que uma coluna de pedra. O Miradouro do Hércules, também conhecido como Miradouro da Serra do Formoso, é um guardião silencioso de um dos episódios mais decisivos da história de Portugal: a defesa de Lisboa contra a terceira invasão francesa (1809-1812), no contexto das Linhas de Torres Vedras. Este monumento celebra a vitória e a engenhosidade que tornaram o avanço de Massena intransponível.

A estratégica passagem por Vila Franca de Xira, à entrada de Lisboa, era um ponto de particular vulnerabilidade. O Duque de Wellington, ciente da importância do rio Tejo para o transporte e da existência da Estrada Real, posicionou canhões na Igreja Matriz de Alhandra e utilizou a Marinha Real Britânica para patrulhar o rio com corvetas e lanchas canhoneiras. Esta vigilância atenta foi crucial para impedir a Invasão francesa.

Batalha e Perda: A Morte do General Saint-Croix

Foi neste cenário de intensa vigilância que ocorreram dois combates, a 14 e 16 de outubro de 1810, à entrada de Alhandra. As tropas francesas, na tentativa de romper a linha defensiva, foram rapidamente repelidas pelo valor do Regimento de Infantaria 12. Antes numa operação de reconhecimento, o General Saint-Croix, um jovem e promissor militar que defendia um ataque direto às linhas, foi tragicamente atingido e morto por um tiro de uma lancha canhoneira perto de Vila Franca. A sua perda foi um duro golpe para o Marechal Massena, que reconhecia o seu imenso potencial.

A Odisseia da Construção do Monumento

A história do monumento em si é uma odisseia, uma vez que a ideia inicial era erigir um memorial no Buçaco para celebrar a batalha de 27 de setembro de 1810. Em 1870, o Marquês Sá da Bandeira encarregou Joaquim da Costa Cascais de erguer um memorial em Alhandra para evocar as Linhas de Torres Vedras. A ideia era aproveitar um fuste de coluna já existente em Pêro Pinheiro. A sua construção foi morosa e penosa, marcada por desafios logísticos, financeiros e até meteorológicos. O transporte do monólito de mais de 24 mil quilos exigiu um esforço hercúleo, envolvendo a remoção de Pêro Pinheiro até à estação de Santa Apolónia, e de lá de comboio até Alhandra. A afluência espontânea da população para assistir ao assentamento da coluna gerou até uma situação “caricata”, levando a queixas formais e exigindo explicações de Costa Cascais ao Ministério da Guerra.

A conclusão, após anos de trabalho e contratempos, deu-se finalmente em julho de 1883. A obra, da autoria de Simões de Almeida, é uma coluna de quase oito metros de altura coroada pela escultura de Hércules, que segura a sua clava e a pele do leão da Nemeia, simbolizando a coragem dos exércitos aliados e a resistência inquebrável.

Um Símbolo de Vitória e Engenharia

Está inscrito no local, Nec Plus Ultra, entendido como “Não Mais Além”, determina e assinala o local do monumento, no arranque da 1ª das Linhas de Defesa de Torres Vedras – em representação de toda a barreira que as Linhas de Torres vieram a constituir – e que se veio a revelar intransponível para as tropas francesas comandadas pelo general Massena aquando da 3ª Invasão Francesa, entre outubro e novembro de 1810.

Posteriormente, por ocasião do Centenário da construção das linhas de Torres, foram colocadas duas placas de homenagem em 1911 a José Maria das Neves Costa e Richard Black, embora estas e uma terceira placa dedicada ao povo português, colocada no Bicentenário, tenham sido furtadas e substituídas por réplicas em material mais barato.

Mas quem são estas pessoas que merecem estas placas de homenagem? São os engenheiros militares envolvidos nesta extraordinária missão, o tenente-coronel de Engenharia, Sir Richard Fletcher do Exército Inglês (cuja competência e incansável Atividade se deve a rápida construção das Linhas de Torres Vedras) e Neves Costa, Oficial do Real Corpo de Engenharia (a quem se devem os estudos fundamentais do terreno em que foram levantadas as Linhas).

O Miradouro

Além da sua rica história, o Miradouro do Hércules oferece um panorama deslumbrante. Daqui a vista abraça a pitoresca vila de Alhandra, a localidade do Doutor Sousa Martins, e estende-se sobre o estuário do rio Tejo, com os seus peculiares mochões e esteiros. O local convida a um momento de contemplação, onde a história militar se funde com a beleza natural da paisagem, fazendo do Miradouro de Alhandra um ponto verdadeiramente notável.

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