Igreja matriz da Nossa Senhora da Anunciação (Viana do Alentejo) (***)

Antes da magnífica construção manuelina, existia uma igreja fundada no tempo do rei D. Afonso III. A primitiva igreja do aglomerado urbano vianense terá sido construída por volta de 1260, após D. Gil Martins de Riba de Vizela, Alferes-mor, ter recebido em doação (1259) a herdade de Foxem (espaço que deu origem à vila) e não se sabe exatamente onde se encontrava. A igreja gótica desapareceu, mas a partir de 1521 foi feita uma magnífica igreja no interior do castelo atribuída a Diogo da Arruda, mestre das Obras Reais da comarca do Alentejo a partir de 1521.

Quem foi Diogo da Arruda?

Diogo de Arruda é uma das grandes figuras associadas à edificação do Convento de Cristo, na qual exerceu o cargo de mestre, de 1510 a 1513.

Não se sabe quando nasceu, mas que faleceu em 1531, foi um mestre arquiteto   português, membro de uma importante família de artistas com origem em Évora. Era irmão de Francisco de Arruda e tio de Miguel de Arruda.

Entre 1508 e 1510 foi o arquiteto do baluarte do Paço da Ribeira erguido por ordem de Manuel I de Portugal em Lisboa. Este baluarte era o remate do palácio real e possuía uma torre fortificada decorada com as armas do soberano, o que mais tarde seria repetido na Torre de Belém, erguida entre 1514 e 1519 por Francisco de Arruda.

Diogo de Arruda foi o primeiro arquiteto da remodelação manuelina do Convento de Cristo, tendo exercido o cargo de mestre de 1510 a 1513. Nesse período ergueu no lado oeste da antiga charola templária um coro disposto em dois níveis: o superior ocupado pelo coro-alto para os monges e, no inferior, a sacristia, também referida como “sala do capítulo”. Toda a fachada oeste do coro, flanqueada por dois grandes contrafortes, é abundantemente decorada com motivos heráldicos e naturalistas. Nela se encontra a célebre janela da sacristia da igreja, uma das obras mais célebres do manuelino e uma das janelas mais belas do mundo. Os trabalhos no coro do Convento de Cristo foram continuados, a partir de 1514, por João de Castilho.

Em 1513 Diogo de Arruda passou pela Praça-forte de Azamor, no Magrebe, onde desempenhou funções de engenheiro militar junto com o seu irmão Francisco. Ali erigiram o alcácer (castelo), baluartes, reforçaram muralhas e até construíram casas de moradia. Diogo e Francisco trabalharam ainda na fortificação de Safim e na de Mazagão, também no Norte de África.

De volta a Portugal, foi nomeado pelo soberano como “Mestre de Obras da Comarca de Entre Tejo e Odiana, “ou seja, no Alentejo (1521). Levantou o Castelo Novo de Évora.  O desenho desse castelo, de planta quadrada com torreões nos vértices, segue os modelos renascentistas de arquitetura militar e representou uma inovação no país. Apesar de muito alterado, em nossos dias conserva a planta original e as bases dos torreões, com o motivo de cordões típico do manuelino. Também realizou a igreja Matriz de Viana do Alentejo, um dos melhores exemplares de arquitetura manuelina religiosa portuguesa.

Em 1525, já sob o reinado de João III de Portugal, foi nomeado arquiteto dos paços reais. Nessa época é provável que tenha participado nas obras dos Paços Reais de Évora, um grande complexo palaciano que já vinha sendo construído desde o século XV.

Diogo de Arruda é um dos principais nomes da arquitetura portuguesa do período manuelino. Junto com seu irmão Francisco, com quem trabalhou frequentemente, criou um estilo próprio facilmente identificável, muito ligado à arquitetura militar, caracterizado pelo uso sistemático de volumes cilíndricos, decoração cheia de referências naturalistas (cordas, raízes, folhagem) e heráldicas colaborou ainda com o irmão no notável paço acastelado de Évora Monte.

É fascinante percorrer a vida e obra dos arquitetos manuelinos como Diogo Boitaca, João Castilho, Marcos Pires, Mateus Fernandes ou os já citados Diogo da Arruda e Francisco da Arruda.

A magnífica igreja manuelina de Viana do Alentejo, contemporânea da igreja de Nossa Senhora da Anunciação, matriz de Elvas e da Madalena, de Olivença, tem três naves, à boa maneira da tradição gótica.

O Portal Manuelino da igreja matriz de Viana do Alentejo

Depois das fabulosas janelas do Convento de Cristo em Tomar, eis que nos surge este opulento portal de mármore de tom levemente azulado.

A fachada é extremamente fora do vulgar, sobressaindo de imediato os dois volumosos contrafortes.

O portal em mármore é definido por duas portas separadas por mainel salomónico.

No tímpano destaca-se a volumosa cruz de Cristo central. No registo superior estão ainda os emblemas régios de D. Manuel com as armas de Portugal e a esfera armilar. A exuberante temática naturalista invade este espaço estruturado por série de arquivoltas sobrepujadas por arco conopial imbricado de grossos troncos, proliferando temática simbólica muito viva e misteriosa (anjos, homens, esferas armilares, escudo real, folhagem, animais, etc.), a par, por exemplo, com uma cena cristã (S. Jorge lutando com o dragão) reproduzida a nível capitelar. Uma maravilha!

Este portal é ladeado por duas pilastras-contrafortes que suportam um arco. Muros decorados por merlões chanfrados, que concorrem com os merlões do recinto amuralhado, aproveitando-se uma das torres do castelo para torre sineira da igreja. Esta sujeição ao espaço a edificar é igualmente evidente na ábside do templo, contraída pelo atarracamento da sua cabeceira face à muralha Este, retirando-lhe toda e qualquer profundidade. Assim, apresenta-se com um único tramo. As fachadas laterais, e a cabeceira, estão apetrechadas de torrinhas cilíndricas rematadas por coruchéus cónicos e cogulhos graníticos, desenvolvidas por um jogo movimentado de arcobotantes que dividem os tramos e terminam com um contínuo coroamento de ameias chanfradas.

Nos característicos contrafortes, os coruchéus cónicos confundem-se com outros de maior envergadura, das torres semi-circulares do castelo.

O interior da igreja de Viana do Castelo

No interior surpreende-nos a estruturação dum espaço gótico eivado de temática manuelina, a par com retábulos barrocos. O acesso à igreja faz-se através do átrio com pequeno batistério, posteriormente remodelado (século XIX) mas ainda detentor de pia septavada em granito. Junto à porta lateral, duas pias manuelinas reportam-nos de imediato à época de construção do templo. O coro ergue-se sobre o átrio, apoiado em estrutura de arcos.

O templo é constituído por três naves (central mais elevada) formadas por cinco tramos, definidos por arcos plenos de granito assentes em fortes pilares de secção oitavada, ornados de folhagem exuberante.

As naves são abobadadas e nervuradas com decoração esculpida nas mísulas e nos bocetes, de temas variados – zoomórficos, míticos, emblemáticos, florais, etc.

Na igreja no portal e nos capiteis encontram-se troncos nodosos, vegetação rica e abundante, serpentes de escamas salientes e terrificantes cabeças entrelaçando seus corpos, folhas carnudas nas mísulas rematadas em florão e, ainda como elemento de extraordinária raridade, máscaras- -folhagem, presentes nas mísulas da nave central. Aspeto curioso, além de constituir um precioso elemento histórico, é a presença de caracteres negróides entre duas das máscaras-folhagem. Certamente representativo da presença de escravos negros em Portugal Continental neste período. As mísulas que esculpidas com as figuras de escravos negros, certo exotismo e gosto pelo sumptuário, presente em determinadas ocasiões da sociedade quinhentista portuguesa.

As naves laterais são ornadas de azulejos em Padrão do século XVII. A nave central ostenta um belo púlpito em mármore da Renascença.

A capela-mor condensa diferentes momentos artísticos – a estrutura gótica reveste-se de azulejos policromos do século XVII, o altar tem talha dourada do (século XVII) e a escultura da Anunciação da Virgem transporta-nos para a centúria de Quinhentos, embora S. Gabriel seja já seiscentista.

Obra bonita é o panteão da Capela dos Reis, presentemente da invocação do Senhor dos Passos, sobretudo pela abóbada de nervuras bem proporcionada, pelo exotismo que impregna o frontal de altar revestido de azulejos hispano-mouriscos e pelo sentimento barroco das obras de retabulária e escultura que envolvem o túmulo do cavaleiro Diogo Godinho quinhentista. Consagrado inicialmente aos reis e, posteriormente, a partir de inícios de Setecentos ao Senhor Jesus dos Passos, por nele se ter instalado a confraria desse título, é original da fundação conservando-se dessa época o frontal de azulejaria sevilhana hispana mourisca.

A sacristia, para a qual acedemos através de porta quinhentista de verga trilobada é abobadada e possui lavabo manuelino com decoração de carrancas.

 A Capela de Sto. António, com estrutura de abóbada nervada, possui belas mísulas manuelinas, embora a atmosfera dada por algumas obras de arte, nomeadamente a escultura do orago, seja já barroca.
Refira-se ainda o magnífico retábulo de S. Luís, que se ergue no cruzeiro na banda do Evangelho. Obra de talha dourada do terceiro quartel do século XVIII.

A Luz da igreja matriz de Viana do Castelo

A luz nas igrejas tem uma importância simbólica fundamental, representando Cristo como a “luz do mundo”, que afasta a escuridão do pecado e da ignorância, e também serve para criar um ambiente de adoração, reverência e ligação espiritual, sendo usada para realçar elementos arquitetónicos, direcionar a atenção e evocar emoções específicas, desde a paz e introspeção até à alegria e solenidade. As velas, os vitrais e a luz natural que entra na igreja são lembretes da presença de Cristo. A iluminação artificial e natural pode ser usada para criar uma ponte entre o mundo terreno e o divino, usando o espaço físico da igreja para expressar a espiritualidade. 

A intensidade, a cor e a direção da luz são utilizadas para influenciar a atmosfera e as emoções, criando sentimentos de intimidade, paz, reverência ou intensidade, dependendo do momento litúrgico

A Matriz de Viana do Alentejo é um templo luminoso, embora inicialmente a luz fosse filtrada por vitrais góticos (ainda restam apenas dois, atribuídos a Francisco Henriques e alusivos a S. Pedro e S. João), cuja mística concorria para a sacralização do espaço secular.

Pela confluência de estilos e soluções arquitetónicas apresentadas, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Anunciação é considerada como um exemplo perfeito do chamado Tardo-Gótico Alentejano, vertente artística que mistura a fase final do estilo Gótico, a simbologia e o mistério messiânico manuelino, mas com laivos renascentistas.

O templo está classificada como Monumento Nacional desde 1910.

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top