Paço Real das Alcáçovas ou Paço dos Henriques (Viana do Alentejo) (**)

Paço dos Henriques como Paço Real da Vila ou Paço das Alcáçovas (Viana do Alentejo) (**)

Um Palácio na História

O Paço dos Henriques, também conhecido como Paço Real da Vila ou Paço das Alcáçovas, ergue-se no coração do Alentejo como um dos mais notáveis testemunhos da formação política e simbólica de Portugal.
Mandado construir nos finais do século XIII por D. Dinis, o Paço nasceu sobre as ruínas do antigo castelo medieval. Serviu de residência régia e palco de decisões que moldaram não apenas o destino do reino, mas também o do mundo conhecido.
Foi aqui, em 1479, que se firmou o Tratado de Alcáçovas, o primeiro documento internacional a desenhar fronteiras sobre mares ainda por descobrir.

Em 1993, o edifício seria classificado como Imóvel de Interesse Público, reconhecendo-se-lhe o valor patrimonial, histórico e simbólico.

O Espaço e as Formas

Situado junto à Praça da República, no centro da vila de Alcáçovas, o Paço revela-se como uma síntese das influências artísticas que marcaram o território português entre a Idade Média e o Renascimento.
Predomina o estilo gótico, austero e vertical, suavizado por elementos manuelinos que anunciam o espírito do Quinhentos. As marcas renascentistas e as subtis alusões à arte mudéjar – visíveis nos embrechados das fachadas – completam a harmonia de um edifício onde o tempo se cruzou com a arte.

O conjunto inclui ainda a Capela de Nossa Senhora da Conceição e o Jardim das Conchinhas, ou Horto do Paço dos Henriques.

Este espaço ajardinado, separado do edifício pela Rua do Paço, ocupa cerca de 950 m² e conserva um notável conjunto de estruturas hidráulicas: poço, nora, tanque, aqueduto e fonte, além das curiosas janelas conversadeiras, que parecem convidar à confidência e à pausa.
O pavimento em estilo granadino e as paredes revestidas de embrechados coloridos testemunham o gosto decorativo das elites senhoriais alentejanas.

Em 2016, após uma criteriosa intervenção de restauro, o Paço renasceu como centro cultural e museológico, abrigando o Auditório Tomás Ribas, um posto de turismo e três salas de exposição — uma delas permanente, dedicada à arte dos chocalhos, reconhecida pela UNESCO como Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente.

As Origens de um Senhorio

A história de Alcáçovas entrelaça-se cedo com a da Coroa Portuguesa.
Em 1271, D. Afonso III celebrou um acordo com o Bispo de Évora, D. Durando I, através do qual o rei obtinha o senhorio temporal de Alcáçovas, Arraiolos e Vimieiro, ficando o poder espiritual reservado ao cabido ou seja está-se numa fase de beligerância do nosso reino com a igreja Católica.
O monarca, sempre atento às franjas do seu domínio, impulsionou o crescimento da vila, concedendo-lhe privilégios e consolidando o poder régio no Alentejo interior.

O seu sucessor, D. Dinis, confirmou e reforçou os forais, e, em 1290, ordenou a construção de um palácio régio sobre o antigo castelo que tão longe estava da fronteira. Assim nascia o edifício que, ao longo dos séculos, seria testemunha silenciosa da presença real e dos destinos do reino.

Durante o século XIV, o Paço foi residência de reis e infantes, lugar de caçadas, conselhos e descanso.
Mais tarde, D. João I concedeu a vila a Nuno Álvares Pereira, integrando-a na Casa de Bragança — linhagem que, um dia, ascenderia ao trono.

Casamentos e Tratados

Em meados do século XV, Alcáçovas tornou-se palco de alianças que moldariam o mapa da Península Ibérica.
Em 1447, D. Afonso V recebeu no Paço o embaixador castelhano Garcia Sanchez de Toledo, e ali se celebrou o contrato nupcial entre D. Isabel de Portugal e D. João II de Castela — união da qual nasceria Isabel, a Católica.
Poucos anos depois, em 1457, firmou-se também o casamento da Infanta D. Beatriz com o Infante D. Fernando, de cujo enlace viria a nascer D. Manuel I, o Venturoso.
O Paço, que fora casa, tornava-se então teatro da História.

O Tratado de Alcáçovas

Assinado em 4 de setembro de 1479, o Tratado de Alcáçovas foi firmado entre Isabel de Castela e Fernando de Aragão, os Reis Católicos, e D. Afonso V de Portugal e seu filho D. João II.
Ratificado em Toledo, a 6 de março de 1480, o tratado é considerado o primeiro documento internacional a regular a partilha do mundo entre duas potências europeias.

Entre as suas cláusulas principais:

-Pôs termo à Guerra de Sucessão, com Portugal a renunciar ao trono de Castela e os Reis Católicos ao trono português;

-Estabeleceu a divisão das possessões atlânticas — Portugal manteve o domínio sobre Guiné, Mina, Madeira, Açores, Cabo Verde e Flores, enquanto Castela consolidou a posse das Canárias, comprometendo-se a não navegar para sul do Cabo Bojador;

-Reconheceu a exclusividade de Portugal na conquista do Reino de Fez.

-Paralelamente, as Terçarias de Moura resolveram a questão dinástica castelhana, com a Infanta Joana (a Beltraneja) a abdicar dos seus direitos ao trono e a prometer-se em casamento com o segundo filho dos reis Católicos, dom João.

E D. Afonso, filho de D. João (futuro D. João II) e D. Leonor (irmã do futuro D. Manuel I de Portugal), neto de D. Afonso V casar-se-ia com D. Isabel, filha dos Reis Católicos.

Ficando os três em terciarias sob o controlo de dona Beatriz, fabulosa infanta e esposa do duque de Beja.

 De Residência Real a Solar Senhorial

A partir do final do século XV, o Paço passou para a posse de D. Fernando Henriques, filho do rei castelhano Henrique II, que se fixou em Portugal e se tornou o primeiro Senhor das Alcáçovas.
Durante séculos, o edifício manteve-se como casa nobre da família Henriques, palco de memórias familiares e de episódios militares.

Foi também aqui que D. João II recebeu o embaixador castelhano D. Afonso da Silva e redigiu, em 1495, o seu testamento, designando D. Manuel como sucessor.
Mais tarde, este último concederia à vila um novo foral, datado de 1512.

Entre o Sagrado e o Doméstico

Nos séculos seguintes, o Paço foi transformado. Em 1622, ergueu-se junto a ele a Capela de São Jerónimo, mais tarde dedicada a Nossa Senhora da Conceição, quando aí se instalou a irmandade homónima, em 1680.
O jardim, provavelmente redesenhado entre os séculos XVI e XVII, tornou-se um espaço de contemplação e lazer, moldando o diálogo entre o sagrado e o doméstico.

Com o passar dos tempos, as sucessivas reformas apagaram os traços medievais, conferindo ao edifício o aspeto que hoje conhecemos.

O Século XX e o Renascimento do Paço

No início do século XX, o Paço estava arrendado a famílias locais.
Em 1988, o Estado português classificou-o como Imóvel de Interesse Público, reconhecendo a importância de preservar este testemunho da memória nacional.

Encerrado durante alguns anos, o edifício seria alvo, já no século XXI, de uma profunda requalificação, concluída em 2016.
Hoje, o Paço dos Henriques é centro de cultura e identidade, espaço vivo de encontro entre passado e futuro — um lugar onde o eco da história se mistura com o som dos chocalhos, e onde cada pedra parece ainda guardar a sombra dos reis que por ali passaram

Cronologia Essencial

  • Séc. XIII – Fundação do Paço por D. Dinis
  • 1457 – Celebração dos matrimónios das Infantas D. Isabel e D. Beatriz
  • 1479 (4 de setembro) – Assinatura do Tratado de Alcáçovas
  • 1495 – D. João II redige o seu testamento no Paço
  • 1568 – Reforma que define o aspeto atual do edifício
  • 1622 – Construção da Capela de São Jerónimo
  • 1974 – Ocupação do edifício por Unidades Coletivas de Produção
  • 1988 (julho) – Classificação como Imóvel de Interesse Público
  • 2016 (4 de setembro) – Inauguração do novo espaço cultural após obras de requalificação

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